domingo, 16 de maio de 2010




Terceiro Dia, parte II: durante a trilha

O caminho de Santiago não é pouca coisa. A trilha exige muito e não tolera descuidos. Qualquer erro ou deslize, tanto para quem esta de bici quanto quem esta a pé, é tombo na certa. Ainda mais quando o terreno esta escorregadio, depois de uma noite inteira chovendo e de ter nevado dois dias antes, o terreno se torna ainda mais traiçoeiro. A paizagem a volta é surpreendente para quem vai pela primeira vez. Neve ao redor da estrada, um frio de ranguear cusco, e eu indo com a minha bike, arranhando no espanhol e me segurando nas descidas. Nesse primeiro dia São mais descidas que subidas, no meio do mato fechado, uma trilha surpreendente e de extrema dificuldade. Um carreiro que passa um por vez e bem de vagar, para que vai de bike, desce um pouco mais rápido, mas não muito por que a quantidade de pelegrinos é bastante, e a toda hora temos que ter o cuidado de não esbarrar em ninguém. Para quem vai de bike, é quase que um crime inafiançável esbarrar em um pelegrino a pé, pois o caminho é deles, e quem esta fora de localidade somos nós, os denominados "bicigrinos". Não que sejamos mal quistos, não, de maneira nenhuma, pelo contrário, fazemos parte do caminho igualmente, mas aqui o que conta é a boa educação e o bom senso, pois a preferência é sempre do mais fraco, no caso de quem vai a pé. É como se os carros andassem na calçada, os pedestres teriam a preferência. Nosso Brasil ainda vai chegar nesse ponto, de respeito e civilidade. Ainda custo acreditar que todos os carros param nas faixas de segurança, e não andam enquanto tu não passar. Pois bem, voltando a trilha, como vamos mais rápidos que os que vão a pé, sempre sinalizamos que estamos passando, seja com uma campainha na bici ou simplesmente com um "-Ola, com licença. Buen Camino" que somos logo recebidos com um cordial sorriso e o espaço nos é dado. Eles chegam a sair da trilha e esperar para que nós passemos. Mais uma vez a boa educação fala por si só. Dessa forma vamos compartilhando um solo que é de todos, de maneira sadia e socialmente integrada.
Logo nos primeiros 10km, o primeiro tombo. O primeiro de muitos, graças ao clipe no pedal, uma olhada para o lado, um descuido qualquer e la estava o Manu, estirado no chão e rindo. Caiu em uma valeta e não conseguiu retirar o pé a tempo da pedaleira. Depois que eu fui fica sabendo que havia uma semana que ele tinha colocado a pedaleira na bici, e que estava estreando o acessório direto na trilha mais difícil do CSTC (Caminho de Santiago de Compostela). Não deu nem tempo de limpar e secar o barro do primeiro tombo, minutos depois la estava ele de novo no chão e rindo novamente. Ok, seguimos em frente que temos a recém 14km. Mais algumas curvas e descidas a frente foi a minha vez. Uma pedra escondida no meio da lama me levou ao chão, dessa vez foi a minha vez de cair e rir. Era quase impossível não cair, várias pessoas a pé estavam caindo, escorregando e tomando sustos. Minutos depois passamos pelo pessoal de Maceió, pedi a benção para o Reitor das meninas e ele - "Vai com Deus meu filho", e eu fui no meu caminho deixando aquele experiente grupo de Maceió para traz. Alguns kms adiante, quem esta no chão novamente, Manu, porém essa vez não ria, e sim se queixava de muita dor no joelho. Havia caído com o joelho em cima de uma pedra escondida na lama. Ajudei-o a levantar-se e Dani chegara em seguida. Se queixou um pouco, alongou-se, e se reordenando na ordem do seu corpo, alinhou forças e seguimos a diante. Tinha pouco mais de 25kms, cerca de 3hs de caminho, e eu já podia imaginar o que mais nos esperava por diante. Muito mato, muita água, muita paz. Um som que eu jamais havia escutado antes, o silencio total mesclado com a realização de algo com que sonhamos por quase toda uma vida. Tudo parecia ter mais cor, ter mais som, ter mais cheiro, ter mais vida. O cantar dos pássaros era como uma sinfonia, podia se perfeitamente se distinguir mais de 10 cantos diferentes ao mesmo tempo, e em um sincronismo que só era quebrado pelo ranger da corrente da bicicleta ao trocar de marcha e pelas fendas abertas no barro pelo pneu que girava livre.
Quanto mais andava-se no meio da trilha, maior era a sensação de paz e conforto. Apesar do frio e do barro, era uma sensação muito agradável. A pureza do ar do bosque se acentuava com a umidade do clima, uma névoa envolvia todo o lugar deixando transparecer uma beleza inigualável. A beleza da primavera com o verde vivo dos arbustos e das folhas das árvores altas que impedia a entrada do sol, contrastando com o bucolismo das folhas marrons caídas ao chão acolchoando o solo em uma paisagem de outono.
Eram quase 5hs quando chegamos ao albergue.

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